Publicado em 24 de dezembro de 2015
Seu Mauro nasceu e cresceu em Itaipu. Com 56 anos, sendo 48 na atividade de pesca, vê o futuro da atividade seriamente comprometido. Afirma que a ele restará somente olhar e chorar por, no futuro, não ver um pescador sequer, caso a destruição continue sendo maior do que a preservação ambiental da região
Há 48 anos Seu Mauro, como é conhecido entre os pescadores de Itaipu começou a pescar com seu avó Caboclo e seu tio Cambuci. Ele conta que, com apenas 9 anos, não podia embarcar; sua tarefa era ajudar na beira da praia a puxar a rede que trazia os peixes fisgados – o chamado arrastão.
“Eram 12 barcos, e quando tinha o cardume de tainha, três deles cercavam um atrás do outro. O primeiro puxava e sobrava peixe para o segundo e o terceiro”, comenta, em tom de nostalgia. Segundo o pescador, basicamente sete mil quilos de tainha eram pescados ali. Muitas vezes, o caminhão tinha que se deslocar até a aldeia para carregar, pois a quantidade era enorme.
Hoje, com mais de meia década de vida, parece que de lá para cá o cardume foi só diminuindo. Comparando com cinco anos atrás, Seu Mauro afirma que provavelmente a quantidade de peixes tenha caído 50%. A preocupação pela brusca redução da espécie bem como a extinção da prática pesqueira conhecida como arrastão fundamentam o seu depoimento: “o número foi só caindo. Hoje em dia não tem mais arrastão de tainha, apenas de lanço. A pesca de arrastão foi enfraquecendo e muitos praticantes foram largando para trabalhar de rede de espera. Eu fui um deles”. Atualmente sobraram apenas dois pescadores que ainda sobrevivem desta técnica.
Seu Mauro lembra dos bons tempos de fartura com alegria e conta que os pescadores também retiravam do mar muito peixe, principalmente corvina, para a sua própria subsistência. “Eu era um dos que chegavam a tirar cerca de 50 a 60 quilos de peixe corvina para comer frito. Atualmente para consumir dois a três quilos de peixe grande é difícil. Muitos pescadores preferem comprar outro tipo de alimento e vender o peixe, por causa da supervalorização devido a sua escassez”, lamenta.
Seu Mauro pesca em rede de espera e, por vezes, ainda participa da atividade em arrastão. Ele diz que os pescadores precisam estar cada vez mais unidos e relatar o que tem causado o declínio da pesca em Itaipu a fim de exigirem providências. “De 15 anos para cá, a pesca em geral caiu 90%. Dos 10% que restam, se não tomarmos nenhuma atitude, daqui a quatro anos não restará nem 1%. Sendo pescadores, como é que sobreviveremos?”, questiona.
A degradação da Lagoa de Itaipu é outra ameaça apontada por Mauro. Segundo ele, até 2003 os pescadores ainda conseguiam pescar cerca de 200 quilos de camarão por dia. Depois que a água de Niterói passou a ser tratada em Campo Belo – onde a rede de esgoto é formada por 106 quilômetros de rede e cinco estações elevatórias de esgoto, além da estação de tratamento Nova América – notou-se uma grande diferença. EM 2007, já não se conseguia pescar nenhum camarão na lagoa. “Muitas vezes quando a maré vaza, a gente sente um odor que sai do esgoto a partir do mar. E não só o esgoto, porque depois que foi aberto o canal do outro lado, vários outros resíduos são descartados na lagoa, muitos deles pegando a nossa rede. Para mim, a pior coisa que aconteceu para os pescadores de Itaipu foi a abertura desse canal”, denuncia Mauro.
Em defesa da tradição
Aos 56 anos de idade, Seu Mauro pretende terminar seus dias de vida como pescador. A principal preocupação é que os mais novos um dia olhem para o mar de Itaipu e não vejam mais nenhum barco de pescador. “Se não for tomada nenhuma providência, chegarei aos 70 anos ou mais e ficarei chorando por não olhar nenhum barco e nenhum pescador no mar. Eu gostaria de ver a pesca de Itaipu até meus últimos dias de vida, mas se nada for feito atingirei uma certa idade em que não poderei pescar mais e me restará somente olhar e chorar por não ver no mar um pescador sequer”, desabafa, emocionado.
Seu Mauro conclui que o caso de Camboinhas, também na região oceânica, é semelhante ao de Itaipu. “A aldeia de Camboinhas acabou. Só não aconteceu o mesmo com Itaipu porque existe um grupo de pessoas dedicadas a proteger nossas moradias. Senão, estaríamos saindo daqui da mesma forma que os moradores da aldeia de Camboinhas”.