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A única mulher exercendo atividades pesqueiras, nesse universo dominado por homens na localidade em que mora. Nascida em Pernambuco, chegou ainda criança às praias niteroienses e foi se apaixonando pela pesca e pelo mar de Itaipu. Conhece cada cantinho de pedra, cada pedaço de areia, como se fosse o quintal de sua casa. Liderança entre os pescadores, Dielle ainda encontra tempo para viajar pelo Brasil visitando outras comunidades pesqueiras e fomentando sonhos.

“Não, gente, estou com muito trabalho hoje. Outro dia falo com vocês. Me liga, me liga que a gente marca…”

Foi assim que Dielle nos recebeu na manhã ensolarada daquela sexta-feira, debaixo da sombra de uma amendoeira, no final da praia de Itaipu. Entreolhamo-nos desesperançosos, mas continuamos por ali, seguindo seus passos apressados entre o rústico fogão a gás, em que punha as latas de óleo com mexilhões para ferver e a bancada improvisada na areia onde os descascava.

Com a sua permissão, fomos fazendo algumas fotos e em pouco tempo a pescadora de pele morena, acentuada pela exposição ao sol que o trabalho requer, despiu-se da carapaça de desconfiança e cedeu a nossa insistência silenciosa, enquanto descascava o mexilhão.

Dielle Lima, nascida em Recife-PE, foi para Niterói com dois anos de idade e desde os 11 trabalha na pesca. Começou como uma brincadeira, como afirma, descascando mexilhão, aos poucos foi tomando gosto e hoje vive exclusivamente da pesca. “Hoje eu tiro, hoje eu remo, controlo, cozinho, faço tudo”, afirma orgulhosa de ter levado a família toda para a atividade pesqueira. A mãe, hoje, é aposentada, a irmã tem um bar na beira da praia e só ela continua pescando.

Enquanto nos conta sua rotina e história com a pesca, Dielle não interrompe o trabalho. Quando indagada sobre o modo de produção do mexilhão, porém, para de descascar e nos leva ao fogão improvisado e mostra, com um sorriso no rosto, quais latas são apropriadas para o uso e como se dá o processo, o qual se orgulha em fazer.

Sua rotina é pesada. Sai com o barco ainda de madrugada remando até as encostas e mergulha empunhando uma cavadeira para extrair das pedras o seu ganha pão. Retorna já com o sol alto e além do esforço físico de tirar o barco da água, transportar

de vinte a trinta quilos de mexilhão até a cozinha improvisada, é preciso cozinhar todo o produto da pesca, descascar e embalar para a venda. Geralmente, essa tarefa termina por volta de duas horas da tarde. Segundo Dielle, a dureza do trabalho é o principal fator que afasta as mulheres desse ofício.

Apesar da dificuldade e intensidade de sua rotina, Dielle não consegue se imaginar trabalhando em outra profissão. “A pesca, você tem que gostar, você tem que encarar o mar… a sua profissão, você tem que gostar, não pode ficar insatisfeita, se não, não produz.” Diz amar o mar, ser feliz em poder trabalhar num visual maravilhoso, mergulhar… Orgulha-se de ser a única mulher reconhecidamente profissional da pesca em sua localidade. Associada à colônia de pescadores, possui registro na carteira de trabalho, o que lhe garante por parte do governo uma ajuda de custo durante o defeso, que é um período de pausa na pesca para a preservação das espécies.

Preconceito? Sim, sofre, principalmente trabalhando em um contexto quase que exclusivamente masculino, mas não se deixa abalar. Desde menina entendeu que é preciso ignorar piadas inconvenientes e fazer a sua parte. Assim aprendeu a se impor e conquistar o seu espaço.

Alguns chegam a trabalhar com mexilhão na praia de Itaipu, mas acabam não ficando por muito tempo devido a outras funções como o trabalho em obras, por exemplo. Outras pessoas auxiliam no preparo do produto para a venda e na ida ao mar, que é complicada de ser feita sem companhia, mas também não são fixos na profissão, segundo Dielle. “Eu não, vivo da pesca, não tenho outra renda”, conta.

O fornecimento do mexilhão é feito para bares locais e clientes fixos. A atividade tem um certo risco: a pescadora já fez duas cirurgias e sofreu acidentes no mar, como quando caiu do barco por cima de ouriços. Apesar dos riscos da profissão, Dielle não deixa a pesca e está sempre em contato com outras comunidades de pescadores, fora de Itaipu. No início de março, por exemplo, estava em Arraial do Cabo (RJ) realizando palestras sobre pesca e questões ambientais. Dielle também atua pela Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM).

Alguns anos atrás não havia o defeso e hoje o mexilhão é melhor por conta desse período de proteção às espécies, segundo Dielle. Existem pessoas que trabalham durante essa temporada, mas são pegas na fiscalização e têm sua mercadoria e ferramentas apreendidas por conta da proibição da atividade durante o defeso.

Dielle também pesca lula, mas o mexilhão é sua atividade principal. Ela está envolvida com a pesca há quase 30 anos e sempre busca mais conhecimento e fazer seu melhor. “Pesca eu adoro, não faria outra coisa. Se chegasse alguém aqui ‘vou te dar aquele bar para você trabalhar, é seu’, não quero, vou ser infeliz trabalhando”, conta a pescadora, sempre orgulhosa da atividade que desempenha na praia de Itaipu.

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