Publicado em 24 de dezembro de 2015
Onde normalmente as pessoas estacionam seus carros para desfrutar da praia, barracas se enfileiravam, mesas e cadeiras estavam espalhadas diante do palco. Debates, música, intervenção teatral, bingo, gastronomia local. Eram os moradores da comunidade de pescadores de Itaipu ocupando o espaço público destinado a quem apenas está ali de passagem. Cultura e formação política deram a tônica da 1ª Marejada Cultural dos Pescadores Tradicionais de Itaipu ocorrida nos dias 27 e 28 de junho.
O evento foi pensado e construído pelos membros da comunidade, com apoio do Museu de Arqueologia de Itaipu, para mostrar que ali é uma zona de produção econômica e cultural de Niterói. “As pessoas estão vendo um pouquinho a maneira como a gente vive, trabalha, cozinha, como a gente interage”, disse Érica, que nasceu e foi criada no modo de vida caiçara. Filha de pescador, ela vendia em uma das barracas pratos que se acostumou a comer no dia a dia. “É apresentar para o público que temos comida boa, que tem peixe fresco, polvo fresco, tem mexilhão, tem lula e isso tem todo dia aqui. São comidas que a gente faz em casa normalmente, como as pessoas fazem bife com batata frita.” Ela orgulha-se em dizer que todo pescado servido saiu do mar de Itaipu.
Duas barracas ao lado, a prima de Érica, Jucileia, comemora o sucesso das vendas “Acabou quase tudo, agora só temos caldo de camarão e filezinho de peixe. Vendemos tudo graças a Deus.” Do outro lado havia a barraca da Solange, mais conhecida como Tia Sol, que destaca a união: “A gente estava precisando de alguma coisa pela comunidade. Os pescadores que estão realizando o evento e nós moradores estamos colaborando.” O clima descontraído atraiu pessoas de todas as idades que se divertiram e desfrutaram da boa comida caiçara. Além disso, os visitantes tiveram a oportunidade de entrar em contato com as questões políticas locais, desde o problema ambiental às questões de território.
‘Pretendo acabar meus dias de vida na pesca’
Dentro do Museu de Arqueologia de Itaipu houve uma roda de conversa mediada por Jairo Augusto, um dos líderes locais. Ali foram expostos os problemas, como a degradação da Lagoa de Itaipu e a pesca industrial sem manejo, e debatidos os caminhos possíveis para melhorar a condição de vida dos pescadores artesanais. “O espaço é uma ferramenta aberta para interagirmos com a sociedade e com o poder público as dificuldades e os entraves que a gente percorre durante esses anos de degradação ambiental, injustiça social. A Marejada está intencionada para esse lado”, afirmou Jairo, lembrando a importância da Reserva Extrativista de Itaipu para proteção dos recursos naturais.
Um dos mais experientes do grupo, seu Mauro, com 56 anos e uma vida inteira dedicada ao trabalho no mar, lamenta a redução da pesca da tainha e outros peixes nas últimas décadas. Ele pede providências. “Se não, vai chegar um dia e a gente vai olhar: não vai ter um barco de pesca, um pescador. Quando eu tiver 60, 70 anos e olhar essa situação, vou entristecer”, afirma. Discurso firme e sob olhares atentos de quem estava na roda de conversa para entender a realidade dos pescadores artesanais, seu Mauro defende outros encontros a partir da Marejada. Pesquisadores e ambientalistas querem fortalecer essa articulação com os pescadores artesanais de Itaipu, reconhecendo a importância da preservação dos conhecimentos, práticas e saberes locais. A motivação parte do próprio depoimento de Seu Mauro: “Pretendo acabar meus dias de vida na pesca”.