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Foto: Ana Luísa Vasconcellos

A História mostra que algumas das maiores atrocidades cometidas pelo homem tinham uma justificativa comum. Em nome do progresso, as potências europeias colonizaram, assassinaram e saquearam povos africanos, cujos destinos foram dizimados de forma incontornável. Na Alemanha, os homens de Hitler mataram mais de 20 milhões de pessoas sob o mesmo argumento. Há pouco mais de 500 anos, no Brasil, nossos índios descobriram que suas crenças estavam completamente equivocadas, a nudez era um crime e a liberdade deveria ser restringida. Mesmo com tantos exemplos sobre os efeitos perversos do progresso que divide pessoas entre vencedores e vencidos, essa bandeira continua a ser levantada por quem ignora a existência de outros valores possíveis além do dinheiro.

A comunidade de pescadores de Itaipu, região oceânica de Niterói, está ameaçada por não obedecer às leis do progresso. Ali, famílias de pescadores tiram do mar o seu sustento. Tudo de forma artesanal, com técnicas aprendidas e também desenvolvidas ao longo de décadas. Além dos problemas enfrentados para manterem suas práticas no mar, consequentes da pesca industrial e da poluição, eles precisam lutar, também, pelo direito de existir. Desde os anos 40, a comunidade sofre constantes ameaças de despejo. Nas últimas décadas, a força da especulação imobiliária e de outros agentes intensificaram essa pressão. Pescadores como seu Cambuci, seu Jairo e Mauro correm o risco de serem despejados, junto com suas famílias, por desejarem permanecer no território no qual construíram suas relações de identidade, laços afetivos e a própria existência. Viver sem a pesca não é uma possibilidade para os caiçaras.

Quando vão à praia pelas primeiras vezes, crianças costumam ouvir de suas mães: “cuidado com o mar, que ele é traiçoeiro”. Seu ‘Bichinho’, de 80 anos, sabe bem como o mar pode ser perigoso para quem o adentra. Durante as várias décadas em que se lançava nas ondas, na esperança de voltar carregado de peixes, naufragou por três vezes. E conta tudo com um sorriso no rosto. Bichinho poderia ter ficado traumatizado na primeira experiência. Mas ele sabe que, se num dia, o mar é ingrato, no outro, ele é generoso. Foi dentro dele que Bichinho e outros pescadores da região passaram grande parte de suas vidas e dali tiraram seu sustento. Por isso, a relação que têm com este pequeno universo dentro do planeta Terra é de extremo respeito.

Quando os barcos voltam do mar trazendo os peixes apanhados no dia, somente a primeira etapa da pesca teve fim. Agora, entram em ação as companheiras dos pescadores, que ajudam na limpeza e venda dos peixes. Embora não apareçam como protagonistas, elas são de extrema importância para a sobrevivência da família. Algumas já se arriscaram nos mares, mas as experiências negativas as traumatizaram. Na comunidade de Itaipu, o clima é sempre de cooperação. Tanto dentro das famílias, com a participação das esposas e dos filhos, como entre elas. As ideias meritocráticas arraigadas ao conceito de progresso, aqui, não têm vez.

A mesma filosofia é vista no espaço de moradia das famílias de pescadores. Praticam o real sentido do viver em comunidade. Enquanto a especulação imobiliária dita os padrões de habitação, em condomínios fechados, onde tenta-se viver protegido do perigo que representa o mundo externo, essas famílias mantêm uma mutúa e salutar relação com a natureza. Desejam continuar a viver em comunidade, manter suas práticas ancestrais e continuar a ter, na terra e no mar, espaços de construção de identidade. Remover uma comunidade como a dos pescadores de Itaipu significa a destruição do local. Sem os pescadores, a região perde parte fundamental de sua história, dando espaço a um vazio, onde será construído um empreendimento cujo grande valor identitário será o status de morar próximo do mar.

Os pescadores da comunidade de Itaipu sabem da real possibilidade de a pesca artesanal acabar, em algumas décadas. Com tantas adversidades, ambientais, econômicas e políticas, as novas gerações acabam por seguir rumos diferentes dos pais. Em alguns casos, motivados pelos próprios pescadores, que desejam uma vida mais confortável para seus filhos. Mesmo assim, esse pequeno grupo não desiste de manter vivas as suas culturas, histórias e tradições. Sabem que a natureza quer bem a quem a respeita. Das ondas, vem a força para resistir.

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