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origem caiçara • cultura • pesca artesanal

A pesca e as novas gerações de Itaipu

Publicado em 2 de setembro de 2016

Psicologia, biologia, geografia e engenharia. As profissões que atraem os jovens de Itaipu são muitas, mas uma atividade muito marcante na comunidade da região oceânica de Niterói é esquecida por todos: a pesca. Os adolescentes são alunos da Escola Estadual Professor Alcina Rodrigues Lima, localizada bem próxima da praia e ao mesmo tempo muito distante da realidade de seus pescadores.
Lar para aproximadamente 180 espécies de organismos marinhos, a praia de Itaipu atrai apaixonados pela pesca desde 1921, quando começou a formação de uma colônia de pescadores artesanais, ainda muito presente na região. Hoje, muitos desses pescadores são pais ou tios para os adolescentes da Escola Professor Alcina.

Havilucy acredita que a falta de interesse na pesca pode ser relacionada a dificuldades financeiras (Foto: Maria Clara Pestre)

A professora Havilucy Safreire leciona no colégio há cinco anos e conta que o interesse da nova geração pela pesca vem diminuindo, principalmente, por causa das dificuldades financeiras. “A gente nota que eles não querem trabalhar com a pesca, porque percebem que os pais sofrem com a questão econômica e não querem passar por isso,” explica a professora.

A pesca artesanal tem como grande diferencial a venda dos peixes ainda frescos, seja diretamente aos consumidores ou aos restaurantes próximos da praia. Por isso, a diminuição da quantidade de peixe é simultânea ao encolhimento da comunidade, o que pode levar muitos jovens a optarem por outras profissões.
Esse é o caso de Iuri Rocha, jovem de 17 anos que cresceu vendo a avó ir a praia comprar peixe para o almoço. “Depois de um tempo a quantidade de peixe foi diminuindo, e a gente deixou de comprar”, comenta. Iuri sonha em trabalhar na área da geografia, mas pensa em ter um barco de pesca quando se aposentar. Outros alunos também enxergam a pesca apenas como atividade de lazer. Amanda Machado, de 17 anos, pesca com o tio desde os 13, mas não considera a atividade uma profissão. “Eu gosto muito de pescar, mas não me vejo trabalhando com isso”, afirma a jovem.

Amanda Machado e Rebeca Marins com colegas da turma (Foto: Maria Clara Pestre)

Rebeca Marins, de 15 anos, ri quando lhe perguntam se ela considera se tornar pescadora. “Se a pessoa pode ter uma profissão melhor, por que ela vai querer ser pescadora?”, rebate a jovem. Havilucy explica, também, que os problemas imobiliários interferem na escolha das crianças. “Hoje estão desalojando muitos pescadores, isso afeta a cabeça deles”, diz.

Especulação imobiliária
Nício Reis Filho, também conhecido como Nilcinho, é pescador em Itaipu e pai de três filhos, todos com outras profissões. Apesar de reconhecer que gosta de pescar com eles, Nicio revela que não gostaria que eles fossem pescadores. “Eu já passei por muita coisa, já peguei muito tempo ruim no mar. Eles têm outros meios, podem ter outras profissões”, diz o pescador de 50 anos.
Nício explica, ainda, que a pesca é uma atividade incerta, sem horário ou salário fixo. “A pescaria é assim, tem semana que dá peixe, tem semana que não dá. Ela é ingrata, tem vezes que você só gasta gasolina e não ganha nada”, desabafa. Mesmo assim, admite que não consegue se imaginar em outra profissão, e que única outra atividade que o agrada é a cozinha. “As duas coisas que eu gosto são cozinhar e pescar, uma combinação perfeita”, comenta, com um sorriso.

Nício é pescador em Itaipu e pai de três filhos, todos com outras profissões (Foto: Carolina Lopes)

Jairo Augusto tem 46 anos, destes, 41 foram passados dentro do mar. “Eu sou filho e neto de pescador. Aos cinco anos já estava dentro de um barco. Aos nove já sabia tecer rede. Aos doze já me sustentava com a pesca”, conta. Jairo é também secretário geral da Associação Livre de Pescadores e Amigos de Itaipu (Alpapi) e explica que a perda de interesse das novas gerações vai além da questão financeira.
“Com a chegada do crescimento desenfreado a Itaipu muita coisa mudou. Começou a especulação imobiliária, a poluição ambiental, a desordem urbana. Esses fatores desvalorizaram a classe de pescadores artesanais”, afirma Jairo. Ele também revela que a mídia é grande responsável por construir uma imagem negativa da pesca, e que isso pode desmotivar os mais jovens.
Ao contrário de Jairo, as crianças nascidas em Itaipu não são mais levadas desde cedo para pescar com os seus pais, o que representa grande risco para a manutenção da tradição da pesca dentro da comunidade. Para o secretário geral da Alpapi, a única forma de reverter essa situação é através do empoderamento dos moradores da região. “É preciso entender o processo que diz respeito a sua classe e a importância social que você exerce no seu país. Isso te dá base para lutar pelo seu direito. É essencial”, completa Jairo.
Aos jovens de Itaipu, Jairo deixa um pedido: valorizar a tradição. “A nova geração precisa dar valor à cultura, se organizar para atender o turismo sem exclusão social, discutir bem o meio ambiente e pensar em outros valores além do consumismo exacerbado”.

Pelo direito de existir

Publicado em 2 de setembro de 2016

Protegida pelo sambaqui Duna Grande, a comunidade pesqueira de Itaipu tenta resistir à especulação imobiliária que assombra a região desde o loteamento da antiga fazenda de Itaipu, na década de 40. De acordo com Eliana Leite, representante da ALPAPI (Associação Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu), o tombamento do sambaqui e sítio arqueológico de oito mil anos ajuda na luta pela permanência dos pescadores artesanais no local. “O sambaqui e o museu arqueológico, de 1970, seguram bastante a especulação imobiliária, mas sempre tem gente de olho. Agora mesmo a prefeitura está organizando uma discussão de um plano diretor na área e, se nós, pescadores, não estivermos presentes para construir esse plano, a comunidade será engolida”.

A importância do sítio arqueológico de Itaipu é vista como um dos maiores motivos para a preservação da comunidade da região oceânica de Niterói. Em Camboinhas, que formava junto com Itaipu uma praia só, os pescadores artesanais foram muito prejudicados com a especulação imobiliária e a abertura do canal artificial, que terminou definitivamente na década de 80.

Para ajudar a proteger a Baía do Rio de Janeiro, foi criada em setembro de 2013 a Reserva Extrativista da Marinha Itaipu (Resex), pensada em conjunto com a reserva de Arraial do Cabo. A Resex surgiu como munição para preservar não só o recurso pesqueiro, mas a tradição, a cultura e a sustentabilidade das comunidades de pescadores. “A especulação imobiliária e a pesca predatória vêm dizimando essas comunidades pesqueiras. A reserva é uma forma de proteger o sustento de vida dessas comunidades, além de ajudar na criação de programas que melhorem a qualidade de vida das pessoas dentro de uma perspectiva sustentável”, afirmou Jairo Augusto da Silva, liderança da ALPAPI.

Apesar da proteção ambiental, a comunidade de pescadores de Itaipu é vista como um entrave ao modelo econômico incentivado pela especulação imobiliária na região. Seja por assédio financeiro, seja pela contaminação da praia e de rios ou mesmo pelo uso de força através da ação de grileiros, os moradores estão constantemente ameaçados a deixar o local onde vivem e trabalham há gerações.

Frutos que vêm do mar, marejada

Publicado em 24 de dezembro de 2015

Onde normalmente as pessoas estacionam seus carros para desfrutar da praia, barracas se enfileiravam, mesas e cadeiras estavam espalhadas diante do palco. Debates, música, intervenção teatral, bingo, gastronomia local. Eram os moradores da comunidade de pescadores de Itaipu ocupando o espaço público destinado a quem apenas está ali de passagem. Cultura e formação política deram a tônica da 1ª Marejada Cultural dos Pescadores Tradicionais de Itaipu ocorrida nos dias 27 e 28 de junho.

O evento foi pensado e construído pelos membros da comunidade, com apoio do Museu de Arqueologia de Itaipu, para mostrar que ali é uma zona de produção econômica e cultural de Niterói. “As pessoas estão vendo um pouquinho a maneira como a gente vive, trabalha, cozinha, como a gente interage”, disse Érica, que nasceu e foi criada no modo de vida caiçara. Filha de pescador, ela vendia em uma das barracas pratos que se acostumou a comer no dia a dia. “É apresentar para o público que temos comida boa, que tem peixe fresco, polvo fresco, tem mexilhão, tem lula e isso tem todo dia aqui. São comidas que a gente faz em casa normalmente, como as pessoas fazem bife com batata frita.” Ela orgulha-se em dizer que todo pescado servido saiu do mar de Itaipu.

Duas barracas ao lado, a prima de Érica, Jucileia, comemora o sucesso das vendas “Acabou quase tudo, agora só temos caldo de camarão e filezinho de peixe. Vendemos tudo graças a Deus.” Do outro lado havia a barraca da Solange, mais conhecida como Tia Sol, que destaca a união: “A gente estava precisando de alguma coisa pela comunidade. Os pescadores que estão realizando o evento e nós moradores estamos colaborando.” O clima descontraído atraiu pessoas de todas as idades que se divertiram e desfrutaram da boa comida caiçara. Além disso, os visitantes tiveram a oportunidade de entrar em contato com as questões políticas locais, desde o problema ambiental às questões de território.

‘Pretendo acabar meus dias de vida na pesca’

Dentro do Museu de Arqueologia de Itaipu houve uma roda de conversa mediada por Jairo Augusto, um dos líderes locais. Ali foram expostos os problemas, como a degradação da Lagoa de Itaipu e a pesca industrial sem manejo,  e debatidos os caminhos possíveis para melhorar a condição de vida dos pescadores artesanais. “O espaço é uma ferramenta aberta para interagirmos com a sociedade e com o poder público as dificuldades e os entraves que a gente percorre durante esses anos de degradação ambiental, injustiça social. A Marejada está intencionada para esse lado”, afirmou Jairo, lembrando a importância da Reserva Extrativista de Itaipu para proteção dos recursos naturais.

Um dos mais experientes do grupo, seu Mauro, com 56 anos e uma vida inteira dedicada ao trabalho no mar, lamenta a redução da pesca da tainha e outros peixes nas últimas décadas. Ele pede providências. “Se não, vai chegar um dia e a gente vai olhar: não vai ter um barco de pesca, um pescador. Quando eu tiver 60, 70 anos e olhar essa situação, vou entristecer”, afirma. Discurso firme e sob olhares atentos de quem estava na roda de conversa para entender a realidade dos pescadores artesanais, seu Mauro defende outros encontros a partir da Marejada. Pesquisadores e ambientalistas querem fortalecer essa articulação com os pescadores artesanais de Itaipu, reconhecendo a importância da preservação dos conhecimentos, práticas e saberes locais. A motivação parte do próprio depoimento de Seu Mauro: “Pretendo acabar meus dias de vida na pesca”.

De abrigo religioso a espaço para confecção de redes de pesca: um passeio histórico pelo Museu de Arquitetura de Itaipu

A Prefeitura de Niterói desenvolve desde 2011 o Projeto Orla, que prevê a urbanização na orla da cidade. A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Pesca e Abastecimento anunciou, no mesmo ano, um estudo para levantar as necessidades de melhorias, além de disciplinar a ocupação e valorizar o aspecto visual da região. A área considerada para o projeto envolve a Lagoa de Itaipu, onde está a Colônia de Pescadores Z-7 (Niterói e Maricá).

Muitos moradores da Colônia não aprovam essa iniciativa do governo porque, segundo eles, implicaria em remoção de várias casas e famílias ali estabelecidas. Desde então, os moradores organizam atos de resistência, contando com apoio de outras instituições, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma destas atividades foi a Marejada Cultural, que ocorreu nos dias 27 e 28 de junho e contou com o apoio do Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI).

Em defesa da memória da pesca artesanal

O museu tem uma importância profunda na história da comunidade. Em declaração publicada pela assessoria de comunicação do MAI, a diretora Eunice Laroque declarou: “O Museu tem o dever de reforçar a memória das comunidades de pesca artesanal”. Quando um museu, uma escola ou um teatro é obrigado a sair de um lugar, o mais comum é dizer que o local perde aquela instituição. Se os moradores de Itaipu forem retirados, ambos perdem: o museu perde a comunidade e a comunidade perde o museu.

A trajetória do MAI começa com a história do Recolhimento de Santa Teresa, fundado em 1764 e que servia para abrigar mulheres que pretendiam seguir a vida religiosa, órfãs, mulheres que haviam engravidado ou mantido romances antes do matrimônio, viúvas, além daquelas que eram levadas para lá quando os pais ou maridos saíam em viagem.

A história do prédio foi marcada por ocupações e disputas de posse. Chegou a ser abandonado mas depois ocupado por pescadores da região que passaram a habitá-lo e a utilizá-lo como espaço para tingimento das redes de pesca. No entorno da muralha registrou-se também uma aglomeração de residências de pescadores.

Tombado e transformado em museu, o MAI tem um acervo institucional composto majoritariamente pela coleção Hildo de Mello Ribeiro. O Museu conta ainda com uma canoa de jequitibá, doada em 1979, pela colônia de pescadores local, cuja construção remonta ao século XIX. Até aquela data, ela fora utilizada como cocho para tingimento das redes de pesca, tendo pertencido a seu Vavá, um pescador da região. É comum, ainda hoje, a doação de objetos arqueológicos e de pesca encontrados nas cercanias do Museu por moradores da colônia.

O progresso ataca outra vez

Foto: Ana Luísa Vasconcellos

A História mostra que algumas das maiores atrocidades cometidas pelo homem tinham uma justificativa comum. Em nome do progresso, as potências europeias colonizaram, assassinaram e saquearam povos africanos, cujos destinos foram dizimados de forma incontornável. Na Alemanha, os homens de Hitler mataram mais de 20 milhões de pessoas sob o mesmo argumento. Há pouco mais de 500 anos, no Brasil, nossos índios descobriram que suas crenças estavam completamente equivocadas, a nudez era um crime e a liberdade deveria ser restringida. Mesmo com tantos exemplos sobre os efeitos perversos do progresso que divide pessoas entre vencedores e vencidos, essa bandeira continua a ser levantada por quem ignora a existência de outros valores possíveis além do dinheiro.

A comunidade de pescadores de Itaipu, região oceânica de Niterói, está ameaçada por não obedecer às leis do progresso. Ali, famílias de pescadores tiram do mar o seu sustento. Tudo de forma artesanal, com técnicas aprendidas e também desenvolvidas ao longo de décadas. Além dos problemas enfrentados para manterem suas práticas no mar, consequentes da pesca industrial e da poluição, eles precisam lutar, também, pelo direito de existir. Desde os anos 40, a comunidade sofre constantes ameaças de despejo. Nas últimas décadas, a força da especulação imobiliária e de outros agentes intensificaram essa pressão. Pescadores como seu Cambuci, seu Jairo e Mauro correm o risco de serem despejados, junto com suas famílias, por desejarem permanecer no território no qual construíram suas relações de identidade, laços afetivos e a própria existência. Viver sem a pesca não é uma possibilidade para os caiçaras.

Quando vão à praia pelas primeiras vezes, crianças costumam ouvir de suas mães: “cuidado com o mar, que ele é traiçoeiro”. Seu ‘Bichinho’, de 80 anos, sabe bem como o mar pode ser perigoso para quem o adentra. Durante as várias décadas em que se lançava nas ondas, na esperança de voltar carregado de peixes, naufragou por três vezes. E conta tudo com um sorriso no rosto. Bichinho poderia ter ficado traumatizado na primeira experiência. Mas ele sabe que, se num dia, o mar é ingrato, no outro, ele é generoso. Foi dentro dele que Bichinho e outros pescadores da região passaram grande parte de suas vidas e dali tiraram seu sustento. Por isso, a relação que têm com este pequeno universo dentro do planeta Terra é de extremo respeito.

Quando os barcos voltam do mar trazendo os peixes apanhados no dia, somente a primeira etapa da pesca teve fim. Agora, entram em ação as companheiras dos pescadores, que ajudam na limpeza e venda dos peixes. Embora não apareçam como protagonistas, elas são de extrema importância para a sobrevivência da família. Algumas já se arriscaram nos mares, mas as experiências negativas as traumatizaram. Na comunidade de Itaipu, o clima é sempre de cooperação. Tanto dentro das famílias, com a participação das esposas e dos filhos, como entre elas. As ideias meritocráticas arraigadas ao conceito de progresso, aqui, não têm vez.

A mesma filosofia é vista no espaço de moradia das famílias de pescadores. Praticam o real sentido do viver em comunidade. Enquanto a especulação imobiliária dita os padrões de habitação, em condomínios fechados, onde tenta-se viver protegido do perigo que representa o mundo externo, essas famílias mantêm uma mutúa e salutar relação com a natureza. Desejam continuar a viver em comunidade, manter suas práticas ancestrais e continuar a ter, na terra e no mar, espaços de construção de identidade. Remover uma comunidade como a dos pescadores de Itaipu significa a destruição do local. Sem os pescadores, a região perde parte fundamental de sua história, dando espaço a um vazio, onde será construído um empreendimento cujo grande valor identitário será o status de morar próximo do mar.

Os pescadores da comunidade de Itaipu sabem da real possibilidade de a pesca artesanal acabar, em algumas décadas. Com tantas adversidades, ambientais, econômicas e políticas, as novas gerações acabam por seguir rumos diferentes dos pais. Em alguns casos, motivados pelos próprios pescadores, que desejam uma vida mais confortável para seus filhos. Mesmo assim, esse pequeno grupo não desiste de manter vivas as suas culturas, histórias e tradições. Sabem que a natureza quer bem a quem a respeita. Das ondas, vem a força para resistir.

Não é história de pescador

A pressão que vem sendo exercida contra as comunidades tradicionais de Niterói se agrava a cada dia. Em Itaipu, uma Loja Maçônica reivindica um terreno que, há mais de um século, pertence a duas das mais tradicionais famílias de pescadores locais. Jairo Augusto e Seu Chico, dois representantes destas famílias ameaçadas, são reconhecidos em todo o Brasil como agentes da luta em defesa da pesca artesanal e das comunidades tradicionais, como informou o líder comunitário do Quilombo do Grotão, Renatão do Quilombo, em seu website, no dia 11 de junho deste ano.

A pesca artesanal de Itaipu é uma atividade necessária à sobrevivência daquela comunidade, além de ser tombada como patrimônio cultural de Niterói. Contudo, algumas áreas da praia, que antes serviam aos pescadores, hoje estão tomadas pela especulação imobiliária.

Os pescadores tradicionais de Itaipu vêm fazendo o possível para conscientizar a população de que eles precisam estar ali, exercendo sua profissão. E após uma luta de mais de uma década, conseguiram fazer com que criassem a Reserva Extrativista Marinha (Resex), uma unidade de conservação de uso sustentável, que tem como objetivo frear a pesca predatória no litoral de Niterói. No entanto, a reserva, até o momento, não saiu do papel Os pescadores criticam ainda o projeto de urbanização da Prefeitura.

A ambientalista Laura França, que atua junto à Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Niterói, alerta que esta luta está longe do fim. “Infelizmente, núcleos como o da Praia do Sossego e da Prainha de Piratininga, hoje, sofrem com pressões de despejo. Os pescadores da Praia do Sossego, no início de setembro, receberam uma ordem de despejo, da Justiça Federal, para a retirada de suas três casas, e essa ordem será cumprida pela Prefeitura de Niterói, que já anunciou um outro uso para a praia com controle de acesso e outras estruturas, desconsiderando a existência de pessoas que vivem da pesca naquele lugar há várias gerações”, lamentou ela.

E quando a pressão não parte da Prefeitura para expulsar essas famílias, ela vem do Exército. É o caso da Aldeia Imbuhy, em Jurujuba, que já teve algumas casas demolidas e, até o final do ano, outras 19 casas poderão ter o mesmo destino. As famílias estão sendo retiradas sem receberem indenização e, muitas vezes, não podendo levar nem mesmo seus pertences.

Futuro ameaçado

 Enquanto isso, o pescador Mauro Souza teme que não exista mais a profissão quando a atual geração de pescadores acabar, pois as condições estão deploráveis, fazendo com que os mais jovens se desmotivem e procurem outras áreas para atuar. Segundo ele, a classe precisa se unir para procurar seus direitos e conseguir manter o ofício vivo. Mauro aponta ainda a necessidade do diálogo: “Seria bom ter mais rodas de conversa para reunirmos os assuntos e tomar uma providência junto ao poder público, pedindo justiça”, afirmou.

Ele compara a atual condição dos pescadores à dos índios, que foram renegados durante toda a História: “O índio morava na beira da lagoa, botaram o índio lá para Maricá. Então, vai chegar a um ponto em que não vai ter nem mais índio no Brasil, nem mais pescador, porque estão acabando com a nossa atividade também.”

As possibilidades de remoção, as pressões da especulação imobiliária e a história de vida dessas pessoas são pontos que precisam da atenção da sociedade. Essa não é uma “história de pescador”, um conto, uma mentira. Essa é a história de gerações que só querem ter o direito de escrevê-la em seu local de origem, como sempre o fizeram.

Para isso, todo apoio é necessário, como enfatiza Renatão do Quilombo, para ampliação da rede de resistência. A comunidade tem buscado articular eventos, como a “I Marejada Cultural”, que ocorreu no dia 28 de junho deste ano, para gerar maior visibilidade a esta luta e unir mais apoiadores em torno da permanência da cultura e do trabalho dos pescadores artesanais.

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